"Expressões Orgânicas"

MODA COM ATRIBUTOS SUSTENTÁVEIS

Dos termos mais utilizados, no segmento da moda com atributos sustentáveis, existe um em especial que tem gerado os maiores equívocos, controvérsias e desinformação entre blogueiros”, jornalistas, repórteres, profissionais,estilistas, designers e principalmente entre os consumidores, trata-se do adjetivo “orgânico (a)”É relativamente comum ler ou ouvir as seguintes classificações:
Coleção Orgânica; Tingimento Orgânico; Cor Orgânica; Moda Orgânica; Paleta Orgânica; entre outras “Expressões Orgânicas”... 
Como termo genérico, a palavra “orgânico (a)” está relacionada a processos ligados à vida, ou materiais originados de processos vitais, ou mesmo substâncias sintetizadas pelo homem junto à química do carbono.              Também pode estar associados a organismos, órgãos de um ser vivo, ou organizações complexas fora do campo da biologia, onde associações de pessoas, normas, regras, “organogramas”, leis ou até elementos arquiteturais atuam e interagem entre si como os componentes de um “organismo social”, e os processos ligados a esses casos também são ocasionalmente chamados de “orgânicos”. 



A Arquitetura Orgânica, por exemplo, ou arquitetura organicista, é considerada hoje uma escola da arquitetura moderna, impulsionada pelo ideal naturalista do arquiteto americano Frank Lloyd Wright.
Com origem nos Estados Unidos, se desenvolveu ao redor do mundo, sendo um dos arquitetos - de origem européia - considerado organicista, está Hugo Alvar Henrik Aalto (arquiteto finlandês). 
No Brasil, Roberto Burle Max é considerado um dos arquiteto-paisagistas que melhor representa esta linguagem “orgânica” e evolutiva da arquitetura moderna. 
O conceito “organicista” acredita que uma casa ao nascer, deve atender às necessidades das pessoas, como um organismo vivo. 
Em suas convicções Frank L. Wright, acreditava que os edifícios influenciam profundamente as pessoas que neles residem, trabalham ou fazem suas orações, e por esse motivo o arquiteto é considerado “um modelador de homens”. 


De uma forma geral, a “arquitetura orgânica” é considerada como um contraponto (e em certo sentido, uma reação) à arquitetura racionalista influenciada pelo “International Style” de origem européia. 
Já o uso da palavra na “Química Orgânica” - divisão proposta pelo químico sueco Torbern Olof Bergman, em 1777, definida na época como - o ramo da química que estuda os compostos extraídos dos organismos vivos.
E em 1807, o químico naturalista sueco Jöns Jacob Berzelius, postulou a “Teoria da Força Vital”- que se baseava na idéia de que os compostos orgânicos precisavam de uma força maior (a vida) para serem produzidos (biossíntese). Mais foi Friedrich Wöhler em 1828, discípulo de Berzelius, quem sintetizou o primeiro composto químico orgânico - a Uréia. 

E a partir da segunda metade do século XIX, deu-se inicio a uma nova era dos compostos da química orgânica, com a síntese do acetileno em 1862, por Pierre Eugene Marcellin Berthelot; e o mesmo em 1866, obteve - o Benzeno, por aquecimento e polimerização do acetileno, e definitivamente a Teoria da Força Vital foi por terra. Neste momento da história, a “criatura” (o homem) imagem e semelhança de seu “Criador”, passa a criar compostos orgânicos.

A nova definição, aceita até os dias de hoje, foi proposta pelo químico alemão Friedrich August Kekul:
 “Química Orgânica é o ramo da Química que estuda os compostos do carbono”.
 Afirmação correta, porém nem todo composto que contém carbono é orgânico, por exemplo, o dióxido de carbono (CO2), o grafite, o diamante e outros...
Mas está correto afirmar que “todos os compostos orgânicos contém carbono”.
Por fim a Química Orgânica é a ciência que estuda a estrutura molecular, propriedades, composição, reações e síntese de compostos químicos que contem carbono, e estes alem do carbono, podem conter outros elementos como o hidrogênio, oxigênio e nitrogênio, e assim as letras C-H-O-N estão sempre presentes quando estudamos química orgânica.
Talvez esteja aqui a origem dos principais equívocos ou mesmo falta de informação das pessoas em geral.
A Química Orgânica tanto estuda os compostos orgânicos de origem natural (substâncias oriundas da flora e fauna, via biossíntese solar e metabolismo), como também estuda a química dos compostos orgânicos sintetizados pelo homem, a partir de fontes de carbono derivadas do petróleo e do carvão mineral. 

Um bom exemplo está em uma classe de compostos coloridos denominada “pigmentos orgânicos”, esta difere quanto a origem dos “pigmentos inorgânicos” estes são obtidos a partir de fontes minerais, como os óxidos de ferro. 
A desinformação ocorre quanto à origem deste “pigmento orgânico” que pode ser obtida a partir de recursos naturais como um pigmento de origem vegetal (índigo natural) ou mesmo animal (carmim de cochonilha); ou este “pigmento orgânico” também pode ser obtido por síntese química a partir de fontes de carbono oriundas do petróleo (azul de ftalocianina, por exemplo). 
 A atual indústria das cores oferece uma vasta gama de cores obtidas a partir da síntese de compostos químicos derivados da petroquímica que também são chamados de “pigmentos orgânicos”.
Agora o que deve ficar claro é que o adjetivo “orgânico” do pigmento derivado do petróleo, nada tem a ver com produtos oriundos da agricultura orgânica. Na verdade estão em lados opostos no quesito “sustentabilidade”, quando analisamos os diferentes ciclos de vida destes compostos denominados “pigmentos orgânicos” - de um lado estão os pigmentos de origem natural e do outro lado estão os pigmentos de origem sintética.
E por fim, a “Agricultura Orgânica ou Agricultura Biológica”, termo usado para designar a produção agrícola, de alimentos e outros produtos vegetais (entre eles as fibras têxteis e os corantes naturais), que não faz uso de produtos químicos sintéticos nocivos, tais como fertilizantes químicos e pesticidas (agrotóxicos), nem de organismos geneticamente modificados (OGM’s – os famosos transgênicos), e geralmente baseia-se nos princípios da Agroecologia. 

Este sistema de “produção agrícola orgânica”, que exclui o uso de fertilizantes, agrotóxicos e produtos reguladores de crescimento (hormônios e esteróides sintéticos), tem como base o uso de resíduos animais (esterco e farinha de osso), a compostagem, adubação verde e o controle biológico de pragas e doenças.
Diretamente relacionada ao desenvolvimento sustentável, o “movimento da agricultura orgânica” nasceu para se opor ao sistema capitalista vigente de produção de gêneros alimentícios em larga escala, onde não há mais espaço para a produção de pequenos produtores rurais (Agricultura Familiar).
Com foco na “Qualidade de Vida”, os adeptos do “movimento orgânico”, consideram viável uma produção sustentável, que respeite o solo, o ar, a água, as matrizes energéticas e principalmente o ser humano. Ver link: http://www.ifoam.bio/
Esta “produção orgânica” visa gerar renda para pequenos agricultores familiares, proteger suas sementes nativas (banco genético precioso da humanidade), os saberes e técnicas tradicionais de produção, e também luta pela quebra de cartéis dos oligopólios de multinacionais do setor agrícola como a Bayer e a Monsanto, e procura agir contra os efeitos perversos da monocultura com sementes transgênicas, e da proteção do solo contra erosão e lixiviação, além da proteção das águas dos rios, da possibilidade de plantar e viver junto a terra e do ideológico, como a crença em um mundo melhor possibilitado por uma produção orgânica que favoreça uma melhor qualidade de vida e a sustentabilidade do meio ambiente. 
O princípio desta “produção orgânica” é o de re-estabelecer o “equilíbrio ecológico” utilizando métodos naturais de adubação e de controle de pragas. 

O conceito de “produtos orgânicos” não se limita à produção agrícola, estendendo-se também à “ovina caprina cultura” e a pecuária (onde os animais devem ser criados sem remédios alopáticos (antibióticos), nem hormônios e o pasto devem estar livres de herbicidas e adubos químicos, bem como no processamento de todos os seus subprodutos: alimentos orgânicos industrializados (como laticínios, carne, ovos e derivados) que também devem ser produzidos sem a adição de produtos químicos sintéticos nocivos, como corantes, aromatizantes e conservantes artificiais. Com base holística e ênfase na qualidade do solo, seus proponentes acreditam que um “solo saudável”, quando mantido sem o uso de fertilizantes e pesticidas sintetizados pelo homem, produz alimentos que tenham qualidade superior aos alimentos convencionais. 
Em diversos países, incluindo os Estados Unidos (NOP - National Organic Program), o Japão (JAS - Japan Agricultural Standard), a Suíça (BioSuisse) a União Europeia (CEE 2092/91), a Austrália (AOS - Australian Organic Standard / ACO - Australia Certified Organic) e o Brasil (Pró-Orgânico - Programa de Desenvolvimento da Agricultura Familiar), já adotaram programas padrões para a regulamentação e o desenvolvimento desta atividade – A Produção Agrícola Orgânica. 


Esta produção deve atender as “normas e diretrizes para produção orgânica” adotam sistemas de Certificação que normalmente é aplicado por organizações privadas denominadas Certificadoras”. Logo, para qualificarmos um “produto têxtil como orgânico” ou ainda “feito com algodão orgânico”, a empresa que o divulga deve apresentar o Certificado emitido por uma destas entidades credenciadas. Se não existe o processo de certificação o uso da palavra “orgânico” não está correto, sujeito o infrator a multa e recolhimento dos produtos que estão a venda.
 
A Lei Brasileira para “produtos orgânicos” do MAPA – Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, é bastante clara. O produtor orgânico deve fazer parte do Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos, o que é possível somente se estiver certificado por um dos três mecanismos descritos a seguir:

01. Certificação por Auditoria – A concessão do selo de “Produto Orgânico” é feita por uma certificadora pública ou privada credenciada no Ministério da Agricultura. O organismo de avaliação da conformidade obedece a procedimentos e critérios reconhecidos internacionalmente, além dos requisitos técnicos estabelecidos pela legislação brasileira.

02. Sistema Participativo de Garantia – Caracteriza-se pela responsabilidade coletiva dos membros do sistema, que podem ser produtores, consumidores, técnicos e demais interessados. Para estar legal, um SPG tem que possuir um Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade (Opac) legalmente constituído, que responderá pela emissão do Selo de “Produto Orgânico”.

03. Controle Social na Venda Direta – A legislação brasileira abriu uma exceção na obrigatoriedade de certificação dos produtos orgânicos para a agricultura familiar. Exige-se, porém, o credenciamento numa organização de controle social cadastrado em órgão fiscalizador oficial. Com isso, os agricultores familiares passam a fazer parte do Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos.

Existe hoje uma tendência de crescimento no mercado por produtos orgânicos não alimentares, como as fibras têxteis orgânicas: o algodão, linho e lãs, usadas na produção de vestuário.

Os defensores e os produtores de algodão orgânico afirmam que a utilização de pesticidas em níveis excepcionalmente altos, além de outras substâncias químicas, usadas no plantio convencional de algodão, representa “crime e abuso ambiental” por parte da agricultura convencional, seus métodos esterilizam o solo, poluem o ar e a água, alem de provocar a morte de aves e pequenos animais, importantíssimos para o equilíbrio ecológico.

Como descrito acima, os termos e conceitos do uso da palavra “orgânico (a)” deixam claro que seu uso em produtos têxteis precisa estar atrelado à comprovação via - Selo e Certificado - emitidos para o lote em questão, quer pelo sistema privado (auditoria) ou pelo Sistema Participativo de Garantia (SPG).
Ver link: Orgânicos - MAPA 
A polêmica vai a fundo, quando nos deparamos com as opções ofertadas pelo mercado e as nossas equivocadas escolhas, a pergunta que não quer calar é - até quando continuaremos “cegos” a tudo isto? - como diz o ditado popular “o pior cego é aquele que não quer ver”. Estamos simplesmente dando “ok”, assinando em baixo de toda esta “química orgânica perversa”, esta que o homem vem retirando do subsolo - o petróleo de origem fóssil – toneladas de carbono que estavam dormindo seu sono profundo e eterno, e que está hoje, e continuam sendo lançados novamente na atmosfera, resultando no aquecimento global via os escapamentos de milhões de veículos automotores que consomem estes combustíveis fosseis, poluindo o nosso ar. E todo este nosso lixo plástico e químicos nocivos que poluem nossos rios, nosso solo e até as correntes oceânicas pelo mundo afora.A humanidade precisa acordar e repensar sua existência no planeta, antes que seja tarde, como disse nosso poeta Raul Seixas, antes que o cão (a Terra) se sacuda para livrar-se de suas pulgas (nós seres humanos).
Dediquei os últimos 30 anos da minha vida em pesquisar, produzir e aplicar extratos de plantas tintoriais – corantes naturais, nos diversos segmentos industriais: têxtil, couro, papel, tintas especiais e cosméticas. 
Esta dedicação está muito mais atrelada a conceitos e princípios de sustentabilidade do que na tentativa em vão de comparar ou mesmo confrontar os corantes sintéticos.
Acredito que existam dois caminhos, como dois mundos paralelos, muito bem colocado por Rudolf Steiner (1861-1925), em base aos estudos das cores de Johann Wolfgang Von Goethe (1749-1832),

Steiner defendeu a descrição qualitativa da “cor”, com base nos manuscritos de Goethe, como gerada pela síntese da polaridade entre a luz e as trevas, em contraste com a concepção analítica de Newton, baseada em partículas e comprimento de ondas.
Como ativista do seu tempo, sempre defendeu o uso dos corantes naturais em suas palestras, afirmava que: “As cores de origem vegetal estão diretamente ligadas a Luz Solar e a natureza; já as cores sintéticas derivam de uma origem obscuras obtidas a partir de substâncias oriunda da morte vegetal e animal, matérias-primas como o alcatrão da hulha (subproduto do carvão mineral) e de diversos compostos orgânicos derivados do petróleo”.
Ao conferir cor a um produto, seja ele qual for, devemos pensar na origem desta substância cromática, na sua cadeia de suprimentos, nos processos para sua obtenção e depois que a utilizamos, após a sua aplicação, devemos pensar no descarte correto de seus efluentes na natureza, que cuidados devemos adotar para que estes efluentes líquidos possam ser descartados, e ainda refletir e avaliar profundamente sobre os processos de destinação do lodo industrial gerado nas estações de tratamento - ETE’s, das poucas indústrias que o fazem.
Um exemplo deste tipo de pensamento integrado é a "certificação C2C", termo protegido por McDonough Braungart Design Chemistry e consultores (MBDC). 
É um sistema de certificação privada, descrita no livro publicado em 2002 “Cradle to Cradle: Refazendo a maneira de como nós produzimos coisas”, modelo implementado por diversas empresas, organizações e governos ao redor do mundo, principalmente nos EUA, na União Européia e a China. Ver link: C2C.

 A frase "Cradle to Cradle" foi criada por Walter R. Stahel na década de 1970, contraponto da expressão “do berço ao caixão”, o modelo atual baseia-se no "desenvolvimento do ciclo de vida" iniciado em 1990 por Michael Braungart com incentivo de colegas da Agência de Proteção Ambiental (EPA), divulgou a exploração de um quadro técnico para a Análise do Ciclo de Vida (LCA - Life Cycle Assessment). O modelo oferece passos práticos sobre como inovar no ambiente econômico de hoje, e deixa claro que a reinvenção da indústria humana não está apenas ao nosso alcance, é a nossa melhor esperança para um futuro de prosperidade sustentável. 

Em seu site: ”The Footprint cronicles , a empresa Patagônia (USA) aborda muito bem alguns parâmetros que devemos levar em consideração quando pensamos na compra e consumo de um determinado produto têxtil, são eles;
- Qual foi o Consumo de Energia para a sua produção
- Qual foi a Distância Percorrida em sua logística de produção
- Qual foi a Emissão de Dióxido de Carbono - CO2
- Que quantidade de Lixo Gerado em sua produção
- Qual o Consumo de Água em sua obtenção

Existem muitos estudos e pesquisas que buscam avaliar os processos de bio-acumulação dos corantes sintéticos em organismos vivos como bactérias, crustáceos, peixes e roedores, se você consultar o Google: synthetic+dyes+bioaccumulation irá encontrar muitos documentos abordando estes aspectos. Em especial recomendo: Environmental Science: The Way the World Works

Se realizarmos uma comparação entre o impacto ambiental no uso de corantes sintéticos x naturais com este enfoque (C2C), realizando uma avaliação desde a origem até o seu retorno pelos ciclos vitais da natureza, passando pela obtenção, aplicação, o ciclo de vida dos produtos coloridos, seu descarte na natureza e a reciclagem destes, mesmo que realizada ao longo de muitos anos pela própria natureza. Só assim vamos encontrar os verdadeiros argumentos quanto ao fato dos sintéticos serem tão perigoso para o planeta, aos trabalhadores e para a população local se não forem tomados os devidos cuidados na sua produção, armazenamento, utilização, descarte e reciclagem.


Eber Lopes Ferreira




Atelier Etno Botânica e Studio InBlueBrazil

Empresa criada para pesquisar e desenvolver pigmentos naturais,extratos naturais e auxiliares para tingimentos em produtos têxteis, couro, cosmética, serigrafia entre outras aplicações. Especializada em desenvolvimento de produtos sustentáveis.