Etno Botânica - PELES – COURO – MODA - A MATANÇA DE ANIMAIS E O CROMO



O que é "invisível" aos olhos nestes belos Casacos de Peles, bolsas e calçados em couro. 

A medida em que adiamos olhar para estas ‘verdades inconvenientes’, o planeta, sua flora e fauna e inevitavelmente a raça humana padecem, e assim nos tornamos reféns de nossos atos e cada vez mais vulneráveis. A “urgência” por salvar o planeta já bate a nossa porta, envolve nossos pensamentos e  nos força a mudar de comportamento – serve de alerta os efeitos catastróficos causados pelo aquecimento global, à degradação do meio ambiente e dos recursos naturais. O reconhecimento dos erros do passado, nos obriga a buscar tecnologias adequadas à nossa atual condição, a rapidez que a informação circula culminando com as redes sociais, caminham lado a lado com a necessidade de rever a maioria dos processos industriais, repensar o uso dos recursos naturais e do progresso econômico a todo custo.

Como a própria moda demanda, protestos do PETA - People for the Ethical Treatment of Animals são sempre bastante originais: – em frente a um shopping na cidade de Bangkok, na Tailândia “modelo com corpo pintado deitou sobre uma manta para manifestar-se contra o uso de peles de animais exóticos pela Hermes”, a Maison é acusada de uso e abuso de peles de espécies incomuns como cobras e lagartos para a confecção de bolsas, sapatos e jaquetas.

 Outra manifestação aconteceu em frente ao Lincoln Center, durante a Semana de Moda de Nova York, cinco mulheres vestidas como animais carregavam a plaquinha que dizia: "Animal prints, not animal skins". Em tradução livre, "estampas de animais e não peles de animais". Tim Gunn do Project Runway narrou um vídeo do PETA contra o uso de pele animal nas coleções dos grandes estilistas. Donna Karan não resistiu após uma manifestação do grupo em frente a uma de suas lojas, e o próximo alvo é Giorgio Armani. Os estilistas estão sentindo na pele a pressão do trabalho sério como o do PETA.

 No Brasil a polêmica também se instalou, o uso de peles voltou às passarelas no último Fashion Rio, o material apareceu em coleções de inverno de três estilistas na semana de moda carioca; para ambientalistas, tendência é cruel e desnecessária. O inverno brasileiro é ameno e não há razão para o uso de peles verdadeiras. "Não se justifica usar peles no Brasil", afirma Ingrid Eder, gerente de campanha da Sociedade Mundial de Proteção Animal (WSPA, em inglês). Segundo ela, mesmo os animais que são criados para a produção de pele são submetidos a maus tratos. "Não há morte indolor. As chinchilas são eletrocutadas ou têm os pescoços deslocados. Agonizam conscientes, enquanto a pele é retirada", diz.



 Os ativistas pelos direitos dos animais ficaram chocados com o uso de peles nos desfiles brasileiros. Nina Rosa Jacob, presidente do Instituto Nina Rosa, afirma que vestir peles no País não faz sentido." Os estilistas deveriam usar materiais que valorizassem nossas verdadeiras origens", diz. Ela conta que em novembro do ano passado foram feitos diversos protestos pelo mundo, até mesmo em Porto Alegre e em São Paulo. O movimento foi chamado de Sexta-feira Sem Pele. "Mas não costumamos fazer protestos em grande escala no Brasil porque o uso não é comum."
 Estilistas especializados em couro, argumentam que não podem usar material sintético porque sua "única matéria prima é o couro",e  que trabalham as peles,  desde o curtimento até o acabamento. Alguns trabalham com  "couro abatido pela carne", que é um subproduto, aproveitam sobras e usam acabamentos diferenciados, buscando curtumes com tratamentos de resíduos minimizando as agressões ao meio ambiente,  acreditando e demonstrando preocupação com o processo, mas talvez não percebem que o vilão maior é o CROMO.
 Apesar do clima, o uso de peles é um promissor negócio no Brasil. O País é o segundo maior produtor de peles de chinchila, logo atrás da Argentina. São cerca de 500 fazendas que abatem e comercializam em torno de 40 mil peles por ano.

A arte de curtir peles

A arte de curtir peles de animais é bastante antiga. O processo de curtimento envolve a transformação da pele animal, putrescível em pouco tempo, em um produto final com uma grande durabilidade, que denominamos couro. Nossos antepassados retiravam as peles dos animais e colocavam em contato com cascas de árvores durante um longo período a fim de torná-las imputrescíveis. Com o passar do tempo, essa técnica foi aperfeiçoada e o material curtente contido nas cascas de árvores, taninos naturais, passaram a ser produzidos em escala industrial, a partir de arvores reflorestadas para este fim, sendo este o primeiro material curtente utilizado em larga escala. Por um bom período, os couros foram curtidos apenas ao tanino, atualmente ainda existem curtumes que utilizam taninos de origem vegetal. É um material orgânico natural, de fácil manejo no que se refere à poluição ambiental. Porém as características conferidas ao couro curtido ao tanino não atendem às exigências do mercado de moda mais sofisticados (ROSA,2003).
 A necessidade de um couro mais flexível, mais macio, com maior resistência à temperatura e com menor tempo de processo forçou a indústria a desenvolver novos processos de curtimento. A partir de então, a indústria química alemã desenvolveu o curtimento ao cromo (daí a expressão – couro ao cromo alemão), material curtente a base de produtos químicos como dicromato de potássio (K2Cr2O7) e o dicromato de sódio (Na2Cr2O7.2H2O),onde o cromo hexavalente era reduzido a cromo trivalente no próprio curtume, pois somente nesta valência o cromo tem poder curtente. Essa técnica oferece riscos ambientais, uma vez que sobra na reação um residual de cromo hexavalente. Somente cerca de 60% do cromo é absorvido no processo de curtimento, restando cerca de 40% de cromo não reagido, que é, então, descartado juntamente com os resíduos líquidos, acarretando problemas sérios para seu descarte e deposição no meio ambiente (ARAVINDHAN et all., 2004).



Atualmente o cromo é o principal agente poluidor nos curtumes, empregado como agente curtente em cerca de 90% das indústrias do setor, sendo que apenas os outros 10% utilizam curtimento vegetal a base de taninos naturais. Geralmente, o cromo é utilizado na forma de sulfato básico de cromo (Cr(OH)SO4), tendo como principal função, acelerar o processo de curtimento, além de reduzir o inchamento do couro em água, este tipo de curtimento é denominada de ‘wet-blue’ (azul molhado), cor característica a todo couro resultante deste tipo de curtimento.

Quando se fala em fabricação de couro, existem duas preocupações ecológicas importantes: a primeira diz respeito ao processo em si, uma vez que da pele esfolada até o produto acabado ocorrer aproximadamente 24 reações químicas. O segundo ponto é o tratamento dos resíduos industriais, pois toda gama de substâncias, incluindo a incidência cada vez maior de metais pesados (neste caso, o cromo), estes resíduos, segundo a norma brasileira NBR-10004 da ABNT, são classificados como resíduos classe I–perigosos, necessitando de tratamento e disposição específica, que precisam passar por tratamento adequado dentro da planta industrial, antes do despejo em rios e mananciais (Revista Química e Derivados, 2003).




A presença de cromo em efluentes industriais é a principal preocupação das indústrias curtidoras. O Vale dos Sinos no Rio Grande do Sul – região de maior aglomeração da industria de couro e calçadista no Brasil, enterra 200 mil toneladas/ano de lixo industrial, sendo que 120 mil toneladas/ano provêm da cadeia produtiva do couro. 


A crescente preocupação do setor de processamento de couro, mais precisamente das indústrias que produzem couro curtido ao cromo, juntamente com a cadeia subseqüente, formada por indústrias de calçados e confecções, em adequar-se às normas internacionais de gestão ambiental, tal como a série ISO 14000, vem estimulando a realização de diversos trabalhos com a finalidade de promover uma destinação adequada aos resíduos sólidos considerados perigosos em função da presença de compostos de cromo.
 A principal preocupação no que diz respeito à saúde humana refere-se ao fato de o Cr6+ ser um agente carcinogênico (GOCHFELD, 1991). De acordo com KIMBROUGH et al. (1999), a toxicidade aos seres humanos inclui câncer de pulmão, danos ao estômago, fígado e rins, sensibilização e irritação da pele. Em sua forma trivalente, o cromo aparentemente não é tóxico, além de ser essencial como nutriente para os seres humanos (KELLER et al., 1997). Porém, na valência +6, o cromo é altamente cancerígeno e mutagênico (GOCHFELD, 1991). Na forma de sulfato básico de cromo, o metal se encontra no estado de oxidação +3, considerada sua forma mais estável, apresentando baixa solubilidade e mobilidade em água, devido à formação de Cr(OH)3. Portanto sua deposição não implicaria em maiores riscos ambientais.
 Porém, ao longo do tempo, com o seu acúmulo constante, associado a determinadas condições de solo, como a presença de manganês em formas oxidadas (Mn3+ e Mn4+), baixos teores de carbono orgânico e boa aeração, promovem a sua oxidação para a forma hexavalente (Cr6+), de alta solubilidade e mobilidade, com características tóxicas e mutagênicas para os animais superiores, plantas e microorganismos. O Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA estabelece que a concentração máxima de Cr6+ nos efluentes a serem descartados seja inferior a 0,5 p.p.m e para Cr3+ seja inferior a 2,0 p.p.m. Portanto, é essencial que os curtumes utilizem técnicas de redução dos níveis de cromo em seus efluentes para um descarte adequado dos resíduos no meio ambiente.

 Relembrando, o filme “Erin Brockovich - Uma Mulher de Talento”, história é baseada em fato verídico, com interpretação de Julia Roberts (ganhadora de Oscar por sua atuação), conta a história dos trágicos efeitos da contaminação por cromo da população de uma cidade americana. A personagem, ao organizar arquivos de uma ação judicial, depara-se com alguns registros médicos que a intrigam. Decide investigar e acaba descobrindo que uma indústria vinha contaminando as águas de uma pequena cidade e, por este motivo, muitas pessoas haviam contraído câncer. Como resultado, a empresa foi condenada a pagar uma indenização milionária.
A história contada no filme não está longe de nossa realidade. As quantidades de cromo que são liberadas no meio ambiente por nossas indústrias é preocupante. A atividade industrial dos curtumes é intensiva em mão de obra mas pouco agrega em termos de tecnologia. É por isso, larga e facilmente disseminada em muitas comunidades do país. 
 Na indústria de curtume (e de forma semelhante na indústria de galvanoplastia - cromagem) o tratamento dos efluentes industriais gera um resíduo sólido que é denominado de lodo industrial, que contém alta concentração de cromo. O lodo industrial deve ser acondicionado em tambores e containeres herméticos, deve ser destinado à incineradores ou para aterros industriais onde são armazenados indefinidamente,  verdadeiros mausoléus de grossas paredes de concreto, ao abrigo de intempéries, insolação e outros agentes que possam romper o recipiente e espalhar o resíduo na natureza. O responsável pela geração do material obriga-se a esses cuidados que são supervisionados e inspecionados pelas autoridades competentes periodicamente. Os altos custos, decorrentes do armazenamento e/ou da incineração, induzem a comportamentos inadequados, como o descarte de resíduos em locais impróprios. Deve-se considerar, também, que nem todos os Estados possuem aparato com condições técnicas de aconselhar e fiscalizar o funcionamento de empresas que utilizam o cromo em seus processos.
  O tamanho do problema pode ser avaliado se for considerada a produção significativa da indústria calçadista brasileira e, somado a este fato, que nos curtumes o couro processado gera quantidades apreciáveis de resíduos: de 30 a 50 % de resíduos tais como lodo, serragem da rebaixadeira e pó da lixadeira (todos contendo cromo na sua composição). Além disto, existem regiões no Brasil em que complexos industriais do setor calçadista com centenas de indústrias, produzindo dezenas de toneladas por dia de retalhos de couro que são depositados em aterro industrial (do tipo I destinado para resíduos perigosos).
Nas diversas cidades brasileiras, onde estão instaladas as industrias de couro e calçado, há um conflito latente devido ao rápido esgotamento da capacidade destes aterros industriais e a necessidade de criação de novos. Os resíduos da indústria de couro e de calçado comprometem o meio ambiente, principalmente, sob dois aspectos. O tempo considerável de degradação desses retalhos faz com que o solo fique sem uso por várias gerações. Vale a pena lembrar que o processo de curtimento é feito justamente para retardar a putrefação do couro. Outro aspecto importante é o efeito de concentração do cromo no solo devido às grandes quantidades de retalhos depositadas nos aterros.
Quando observamos de fora toda a cadeia produtiva dos famosos calçados em cromo alemão, o que concluímos: países em desenvolvimento como o Brasil com sua pecuária extensiva, produzem as peles, importamos o cromo da Europa e transformamos estas peles em “couro wet blue”, confeccionamos os calçados que são exportados para a Europa. Estes depois de usados, mas ainda em bom estado, são “doados” para os países do terceiro mundo. Recebemos de volta os mesmos calçados agora usados, e estes depois de usados novamente por aqui, acabam finalmente sendo destinados para os nossos lixos. Importamos o cromo da Alemanha, poluímos nossos rios e solo com todos os resíduos desta industrialização e ainda ficamos com o lixo que os Europeus “doam” e que acabam contaminando nosso solo quando estes calçados depois de 500 anos, finalmente se decompõem. 




Eber Lopes Ferreira - 2011
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